Espanha voltou a ter Rei há 50 anos mas "não é especialmente monárquica"
- 20/11/2025
As mesmas análises dizem que, no entanto, Espanha não vê a República como alternativa e valoriza positivamente a personalidade do atual monarca, Felipe VI, filho de Juan Carlos I, que sucedeu ao ditador Francisco Franco há 50 anos, em 22 de novembro de 1975, e acabou por ser um dos protagonistas da transição espanhola para a democracia.
"Espanha não é um país especialmente monárquico. Ao contrário dos ingleses, conseguimos imaginar Espanha sem rei", disse à Lusa o politólogo espanhol Javier Carbonell, investigador da Universidade de Edimburgo e professor na Science Po, de Paris.
O papel da monarquia na democratização de Espanha, num processo iniciado há 50 anos com a morte de Franco e a proclamação de Juan Carlos como chefe de Estado, será assinalado na sexta-feira com iniciativas institucionais em Madrid, incluindo um evento no parlamento.
A restauração da monarquia foi uma escolha do ditador, o que potencialmente podia ser uma mancha grande para a instituição hoje. No entanto, essa marca foi combatida com a atuação de Juan Carlos I nos primeiros anos de reinado e a forma como se opôs a uma tentativa de golpe de Estado em 1981 e defendeu a democracia, explicou Javier Carbonell.
O politólogo lembrou ainda que, ao contrário do que aconteceu em Portugal, a democracia espanhola não resultou de uma revolução, mas de um processo conhecido como "transição", em que se envolveram as próprias instituições e dirigentes franquistas, com "muito pouca substituição das elites espanholas".
Neste contexto, acrescentou, a monarquia "não sofre tanto" como se poderá pensar por ter sido recuperada por Franco e, como outras instituições, fez a sua própria transição e adaptou-se ao regime democrático.
"Em Espanha há muita continuidade de elites e estruturas franquistas na democracia porque foram precisamente estas que estavam na posição de poder quando chega a democracia", afirmou.
Ainda assim, nas cerimónias de sexta-feira no parlamento, poucos grupos parlamentares estarão presentes, além do Partido Socialista (PSOE) e do Partido Popular (PP, direita), as duas maiores forças políticas de Espanha que têm alternado no poder nas últimas quatro décadas.
Os restantes partidos de esquerda e os independentistas não reconhecem o Rei como chefe de Estado legítimo e anunciaram a sua ausência, incluindo o Somar, que está na atual coligação de governo liderada pelos socialistas.
O atual monarca, Felipe VI, foi proclamado Rei de Espanha em 19 de junho de 2014, um dia depois de o pai, Juan Carlos I, ter abdicado, no meio de polémicas sobre a vida íntima, comportamentos pessoais considerados pouco éticos e suspeitas de corrupção.
Para os analistas, os primeiros 10 anos de Felipe VI ficaram marcados por um caminho de regeneração da imagem da coroa e medidas conhecidas como "de exemplaridade". Incluíram rejeitar a herança material do pai, submeter a Casa Real ao escrutínio do Tribunal de Contas, deixar de aceitar favores e presentes ou reduzir a família real a seis pessoas, fazendo dela, a par da Noruega, a mais pequena da Europa.
"O balanço, ligeiramente, mais crítico (...) do que favorável no desempenho das funções institucionais da Coroa compensa com a avaliação, muito positiva, da personalidade do Rei", concluiu um estudo publicado em 2024 pela Rede de Estudos para as Monarquias Contemporâneas (Remco), entidade que conta com o contributo de diversas instituições e 'think thanks' (grupos de reflexão) e está formalmente ligada à Universidade de Burgos.
Segundo o estudo, o Rei é visto como "sério, prudente, discreto, com critério, boa formação, neutro, com distanciamento familiar, modernizador, com bom perfil internacional, conhecimento e sensibilidade face ao pluralismo do país".
O estudo, com o título "A juventude espanhola dialoga sobre a monarquia", foi feito por dois académicos, Francisco J. Llera Ramo e José M. León Ranero, da Universidade do País Basco, e teve como objetivo mostrar as perceções sobre a Coroa dos espanhóis entre os 18 e os 30 anos, "o segmento de idade que menos apoio manifesta à instituição monárquica e que pior valoriza a figura do Rei, segundo as diferentes sondagens".
Mesmo este segmento etário, "embora reconheça uma genérica 'superioridade' democrática da forma de governo republicana", não a vê como "uma alternativa real face ao papel da Coroa e a figura do Rei", num país com "uma classe política muito questionada e polarizada, que pode hipotecar a necessária neutralidade da chefia do Estado e a própria divisão de poderes", lê-se no estudo, a que a Lusa teve acesso.
Depois dos casos de corrupção que envolveram membros da família real, sobretudo Juan Carlos I, a monarquia não aparece hoje nas notícias por motivos negativos, sendo que a pessoa de Felipe VI gera inclusivamente simpatia, tanto entre anti como pró monárquicos.
Felipe VI prometeu uma "monarquia renovada para um tempo novo" no dia em que foi proclamado Rei de "uma sociedade que, no fundo, não é monárquica", como disse o presidente da Remco, Juan José Laborda, historiador e ex-presidente socialista do Senado espanhol.
Para Juan José Laborda, a prova foi, até agora, superada, e nesta década a Coroa foi a única instituição em Espanha que "se adaptou aos novos tempos e está a salvo da intoxicação populista".
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