Cisjordânia vive um dos "momentos mais intensos e mortíferos"

  • 20/11/2025

A jornalista palestiniana Hala Yacoub descreve um trabalho na Cisjordânia na linha de fogo de militares e colonos israelitas, enfrentando risco de detenção e tortura, num ambiente de violência que se agravou nos últimos dois anos.

 

Em entrevista à Lusa, a jornalista de 26 anos, que começou por ser ativista quando estudava Direito, alerta que a "expansão da colonização israelita" na Cisjordânia é acompanhada do reforço da opressão e intimidação dos seus habitantes, que acontece a par do "genocídio em Gaza".

A Cisjordânia vive este ano "um dos seus momentos mais intensos e mais mortíferos", segundo a residente de Ramallah, quando a atenção global está focada na guerra no enclave palestiniano, iniciada em 07 de outubro de 2023 e que foi interrompida há pouco mais de um mês por um cessar-fogo entre Israel e os islamitas do Hamas.

"Sempre que há uma guerra em Gaza e esta termina, nós, os habitantes da Cisjordânia, sabemos que a seguir é a nossa vez", observa a jornalista de origem cristã, que partilhou, numa série de debates em Portugal na última semana, a sua experiência na Palestina.

Este é um padrão "muito comum" na Cisjordânia e que se poderia prever numa fase em que "jornalistas, ativistas e defensores dos direitos humanos estariam fatigados" do quadro avassalador na Faixa de Gaza, mas que se começou a desenhar há dois anos. Desde então, os números relacionados com a violência dispararam para níveis históricos.

Como exemplo, aponta a mais recente campanha de colheita de azeitona, que, entre 01 de outubro e 10 de novembro, ficou marcada por um número sem precedentes de 167 ataques de colonos a coberto de impunidade das autoridades israelitas, que provocaram acima de 150 feridos e deixaram propriedades e olivais destruídos ou vandalizados, segundo dados da ONU.

Este é o tipo de ações que Hala Yacoub enquadra como uma política coerciva de deslocação de palestinianos, através do corte da sua ligação com a terra, na qual oliveiras arrancadas "são em si bastante simbólicas".

Ela própria relata que já foi vítima, da parte do exército ou de colonos, de granadas de atordoamento, ameaças e alvejada a tiro, quando cobria histórias relacionadas com a colheita de azeitona, mas também demolições e desalojamentos forçados, ou meras libertações de prisioneiros ao abrigo da trégua na Faixa de Gaza.

Hala Yacoub recebe aliás com reservas a vaga de reconhecimentos do Estado Palestiniano, em setembro passado, de uma dezena de países ocidentais, incluindo Portugal, que diz não responderem à questão de fundo, que é "a colonização israelita" do território.

"O que está em causa não é um Estado, é o direito à terra, a não sermos colonizados, a sermos livres", declara.

Nesse sentido, considera que "se podem fazer os reconhecimentos a torto e direito" de um território que se tornou num gueto, mas "não é disso que os palestinianos precisam".

A jornalista interpreta aliás as iniciativas diplomáticas de antigas potências coloniais como a França e o Reino Unido e também Portugal, com o objetivo de "não repetir acontecimentos em que estiveram do lado errado" da História, procurando agora mostrar o contrário "sorrateiramente e afastar uma sobrecarga de culpa".

Teme igualmente que a mesma via seja seguida no plano do Presidente norte-americano, Donald Trump, para a Faixa de Gaza, que começou com um cessar-fogo e troca de reféns e prisioneiros, mas que, numa fase seguinte, prevê um "conselho da paz" dirigido por ele próprio para gerir transitoriamente o enclave.

A palestiniana receia que este plano, aprovado na segunda-feira no Conselho de Segurança da ONU, signifique "apenas mais controlo" e que torne impossível a recuperação do sentido de comunidade no território.

Nessa medida, alerta para a possibilidade de "uma nova versão do colonialismo" ou "outra forma de limpeza étnica", reforçadas por notícias recentes sobre transportes realizados por organizações "muito obscuras" de habitantes para fora do enclave.

Hala Yacoub tornou-se ativista na universidade, onde diz ser mais fácil "sair da bolha de Ramallah e da negação sobre a ocupação e colonização".

Na altura, participava em ações como angariação de donativos para quem não podia comprar livros escolares, mas acabou por enfrentar uma operação contra ativistas estudantis "por venderem literalmente falafel".

À medida que foi alargando a sua rede de contactos e conhecendo episódios de detenções durante a madrugada, seguidas de interrogatórios, tortura, espancamentos e agressões sexuais, começou a escrever perfis dessas pessoas, documentando os seus casos, mas também como eram, os seus passatempos e paixões, porque "era humanizante e divertido".

Basicamente eram reportagens, mas ela ainda não o sabia e foi o seu companheiro jornalista que acabou por o revelar, levando a que "o interesse pela vida se tornasse demasiado intenso e real para que o sonho de infância de advogada se realizasse".

Na Cisjordânia, escreve sobretudo artigos em árabe mas também colabora com 'media' ocidentais e uma organização de apoio a outros jornalistas, incluindo na Faixa de Gaza, para que consigam continuar a trabalhar e tenham meios tão simples como um cartão de telemóvel ou Internet.

"Israel fragmenta os palestinianos a tal ponto que sou muito amiga de alguns colegas de Gaza, mas nunca os pude conhecer pessoalmente", refere. Tal como lamenta que vários já tenham desaparecido, como Mohammed Salama, um dos cinco jornalistas mortos num duplo ataque israelita contra um complexo hospitalar no sul do enclave em agosto.

Ao longo da guerra, que já matou mais de 250 jornalistas no território, Israel tem associado os profissionais palestinianos ao Hamas, mas Hala Yacoub faz questão de defender os colegas, que "relatam factos puros e os factos são neutros".

Na Cisjordânia, descreve que a violência é um processo "mais lento", que compara a uma Nakba (expulsão de palestinianos durante a independência de Israel) ainda em curso, e que também não poupa os profissionais de 'media', locais ou estrangeiros: ao todo, 23 vítimas de ataques de colonos ou militares só em 2025, de acordo com o Comité para a Proteção de Jornalistas.

"O mais comum, tão comum que faz parte do quotidiano, é receber telefonemas Shin Bet [agência de segurança interna de Israel] com ameaças sobre os nossos entes queridos, ou a convocar-nos para interrogatórios de rotina que acabam em detenções", relata, adicionando casos mais extremos que incluem torturas e agressões sexuais.

Apesar de muitas vezes se sentir como "um hamster na roda, sempre a correr sem chegar a lado nenhum", Hala Yacoub acredita que o seu trabalho faz a diferença, na medida em que "o jornalismo justo e honesto produz impacto a longo prazo e gera pressão", o que também a torna "estranhamente otimista", mesmo que não de momento não encontre motivos para o ser.

Leia Também: Israel acusado de "crimes de guerra" por expulsar de 32 mil palestinianos

FONTE: https://www.noticiasaominuto.com/mundo/2891415/cisjordania-vive-um-dos-momentos-mais-intensos-e-mortiferos#utm_source=rss-ultima-hora&utm_medium=rss&utm_campaign=rssfeed


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